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O Rio é lindo mas abra o olho.

By 11:28 , , , , ,



Não podia deixar de escrever sobre o assunto. Como todos sabem, ontem, infelizmente, tivemos mais uma estrangeira a morrer nas mãos de delinquentes, desta vez, na praia de Copacabana, no Leme.

"A turista estava na areia com duas amigas, perto do hotel Copacabana Palace, quando foi abordada pelos assassinos, que inicialmente pediram cigarros para o trio. As jovens tentaram fugir e correram em direções diferentes, mas foram cercadas pelos suspeitos. Segundo os depoimentos, um deles atingiu Laura no calçadão, com golpes de faca no peito. Os suspeitos correram com os objetos e pertences da vítima e das amigas." Via G1, noticia completa aqui.

Infelizmente a Laura, como tantos outros, não sobreviveu. 

Faço questão de redigir este post especialmente devido à época agitada da qual nos aproximamos - os Jogos Olímpicos, que, como todos sabem, se realizarão em agosto deste ano, aqui, no Rio. 

Tal como provavelmente a maioria de vocês, que me lê, também eu, como sabem, sou estrangeira, serei sempre. A única possível diferença é a de que, talvez, já seja uma estrangeira um pouco mais "ambientada", "aculturada", e, consequentemente, mais alerta para a realidade desta cidade que tanto amo, como se da minha cidade se tratasse. 

Vale o aviso: Não se deixe iludir pelos encantos mil da cidade maravilhosa, ela é realmente maravilhosa e ela tem efetivamente encantos mil, mas, assim como qualquer outra cidade tem os seus problemas. 

Infelizmente a segurança, ou a falta dela, é um deles e não adianta reclamar, comparar ou querer contrariar, simplesmente não adianta, se escolheu estar aqui, aceite e respeite a cidade, ela respeitá-lo-á de volta, e quando eu digo respeite a cidade, eu quero dizer ouça-a, ouça-nos.

Tal como a maioria de vocês desse lado também eu, um dia, já cheguei absolutamente alheada da realidade que por aqui se vive, e, assim como cada um de vocês também eu já achei (e ainda acho muitas vezes) que tudo não passa de um exagero. Mas não é. 

O que eu vivo aqui há quase quatro anos e o que cada um de vocês vive ou viveu na última semana, um mês, seis meses ou um ano não é na-da (nada!) perto do que cada uma destas pessoas já viu, viveu e cresceu alerta para. Então, por favor, oiçam-nas. 

Sim, a cidade avisa. Sim, a população avisa. Ou tenta, pelo menos. E nós estrangeiros e turistas? Estamos nem aí. Só queremos passar por todos os altos points turísticos, tirar fotografias inacreditáveis, aplaudir o pôr do sol no arpoador, comer uma boa picanha e dar um oi pro cristo redentor, e é isso, é só isso. Sim, eu sei, eu também já estive aí.

Também eu já cheguei um dia absurdamente deslumbrada e fiz tudo o que devia e não devia, ignorando qualquer recomendação menos positiva. 

Também eu já cheguei um dia e fui para a Lapa (gringo vai na Lapa, não adianta) de ônibus (gringo vai para todo o lado de transportes públicos, não adianta), não uma vez, nem duas, várias. De ônibus às 23h, 00h, 01h, o que fosse. Não só ia como voltava, sim, de ônibus. E muitas vezes de van também, igualmente sem critério de horas. E com "sem critério de horas" eu digo, ir à 00h e voltar às 5h, de ônibus, ou, na época, de van (foram proibidas pouco tempo depois, após o estupro/violação de uma outra estrangeira), o que saísse primeiro (e como eu, haviam centenas de outros estrangeiros, é simplesmente "normal" nas nossas cabeças, faríamos o mesmo nas cidades que nos são familiares). Esperar por um ônibus com mais dois ou três amigos na Praça Tira Dentes no Centro às 4h da manhã, como se tivesse ali no Bairro Alto de Lisboa, absolutamente "normal", em cada uma das nossas cabeças. A última vez que o fiz, tomei um susto, claro, por isso não repeti mais a proeza, um grupo de rapazes entrou pelo ônibus dentro fumando maconha, gritando, dando pontapés nos bancos, cantando, batendo em todo o ônibus, completamente alucinados, como isso já não é tão familiar entendi que aqui era diferente e pelo sim pelo não, parei de andar de ônibus a essas horas e ir à Lapa (várias amigas foram assaltadas).

Também eu já decidi ir para Escolas de Samba, com um grupo de outros tantos amigos, igualmente estrangeiros, igualmente inconscientes, em que saíamos de casa também por volta da 00h, pegávamos três ônibus, e, depois de mais de hora e meia de caminho sabe deus por e para onde, lá chegávamos. E a volta? Nada melhor que uma van! Ótima ideia. Até que o motorista acendeu o seu "cigarro" de maconha, confessou que tinha 15 (quinze) anos e que tinha roubado a van do pai. Chegamos são e salvos, 50 longos minutos depois, também foi a última vez que o fiz. 

Também eu já fui para dezenas de encontros de estudantes de intercâmbio que se davam na praia, ou em quiosques, até altas horas com gente de todo o mundo. Vários amigos meus (essa eu nunca me atrevi) já dormiram inclusivamente nas praias de Ipanema e Leblon após longas noites regadas a álcool e hard party. Felizmente nada aconteceu e nunca tiverem sequer a noção de que havia possibilidade de acontecer, felizmente.

Nascemos em países que, felizmente, não se sente tanto esta insegurança como se sente aqui, claro que também têm os seus problemas mas realmente não estamos sequer consciencializados para encarar a realidade que por aqui se vive. É desconhecido. É novo. Furtos todos ouvimos falar, todos os dias, em todo o lugar, numa maior ou menor proporção, dependendo. Mas facadas por um cigarro ou telefone? Nas nossas cabeças isso simplesmente não existe.

A nossa principal preocupação gringa, é, num primeiro momento, a de proteger os bens materias, para evitar que sejam furtados, máquinas fotográficas, telefones, relógios, chaves de casa, enfim. Nós realmente achamos que esse é o perigo.

Apenas com o passar do tempo vamos compreendendo, os que compreendem, que infelizmente, uma vida para muitos destes marginais não vale nada. E que a nossa maior preocupação deve ser precisamente a de não nos preocuparmos com os bens materiais. Devemos estar absolutamente prontos para desapegar e caso sejamos abordados, simplesmente entregar tudo e entregar feliz.

Também eu tive de tomar um susto para compreender essa lição. Certo dia, saindo do escritório, ainda no Centro, perto das 21h e no sentido do metrô, na Rio Branco, um grupo de pivetes (menores) me abordou, eram mais de 8 (oito), misturaram-se entre o grupo que vinha comigo, e, de olhos sedentos e altamente drogados, de mãos sujas e salivando por uma bolsa a mais debaixo do braço para a partilha das 22h, cercaram-me. E qual foi a minha reação, perguntam? Foi travar a bolsa contra a parede e colocar o meu corpo na frente dela. Repito: O meu corpo na frente dela. Roubaram apenas o meu cordão, não conseguiram a bolsa, mas o susto que me deram foi uma lição que jamais esquecerei. A menina que me roubou o cordão arranhou o meu pescoço, agarrou-o, atordoou-me, e, claro, a última coisa que me lembrei naquele momento foi de que tinha um cordão (leia-se, colar) ao pescoço, achei que estava a ser esfaqueada ou algo do gênero. Não pensei em mais nada nos dias seguintes senão que podia mesmo ser uma faca e eu simplesmente me coloquei (me coloquei!) à mercê disso, e para quê? Para que não roubassem a bolsa. 

Tudo bem, são reflexos, mas os reflexos têm origem no nosso psicológico e aqui, temos de estar preparados para dar tudo e na hora, sem hesitar. Não esperar para descobrir se há faca, se não há faca, se há arma, se não há arma. Não correr, só dar, tudo. Enquanto forem bens materiais estamos no lucro. Afinal, o que são bens materiais perto do nosso corpo e psíquico? 

Mas claro, teimosa que não sou, e não satisfeita com o susto ainda fui dar uma voltinha no carro da policia, às 21h, pelas ruas desertas do Centro da Cidade na expectativa de encontrar o grupo de marginais que tinha roubado o meu escapulário e pelo menos denunciá-los. Olha para ela, ingenua e justiceira. A realidade que vi foi tão mas tão chocante que acho realmente que foi a primeira vez que percebi a dimensão de tudo isto, de tudo o que se fala, e o porquê de uma vida não ter o menor valor para essas pessoas. É outro mundo. Temi pela minha vida cada minuto daquele "passeio". São imagens que ficarão para sempre gravadas na minha memória e que, acima de tudo, me trouxeram sábias lições, aos mais diversos níveis. 

De novo, apenas com o tempo, nós, estrangeiros, vamos ganhando uma maior percepção de tudo isto, desta realidade. Não fazemos por mal, tenham alguma paciência, é simplesmente muito diferente do que já vimos, do que já vivemos. Não, também não merecemos ser assaltados porque somos "burros", porque "ninguém faz isso às 2h da manhã", porque "ninguém faz isso seja lá em que circunstância for" nem porque "estamos pedindo, temos mais é que saber". Nós simplesmente não compreendemos, num primeiro momento, a real dimensão do problema. 

E com tudo isto, não é minha intenção amedontrar ninguém, eu mesma não tenho medo. Eu amo esta cidade de coração mas hoje eu conheço-a melhor que ontem, e quem conhece não tem medo, respeita. Este é o funcionamento desta cidade, feliz ou infelizmente, gostem ou não, não importa, é a realidade dela. Essa realidade não muda nada no dia-a-dia de nenhum de nós, mais ou menos estrangeiro, não muda nada no que ela tem para oferecer, nem na beleza natural sem fim que lhe assiste, desde que, claro, estejamos alertas, atentos, a respeitemos e aceitemos, como ela é.

O Rio é lindo, será sempre e para aproveitar o melhor que ele tem para nos oferecer o truque é só um: manter o olho bem aberto. 

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2 comentários

  1. Texto Brilhante Parabens Patricia

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  2. Que visão linda da cidade precisamos de mais pessoas como você por aqui obrigada por isso!

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